Trânsito

BR-470 chega a 61 mortes no trecho do Vale, expõe dramas familiares e recoloca à tona os riscos na rodovia

Número de mortes entre Pouso Redondo e Navegantes é 33% maior em comparação ao mesmo período do ano passado.

BR-470 chega a 61 mortes no trecho do Vale, expõe dramas familiares e recoloca à tona os riscos na rodovia Acidente em maio resultou na morte de uma pessoa em Agronômica, no Alto Vale (Foto: Divulgação/PRF)

 

As bicicletas e peças ainda estão estacionadas pela casa. As medalhas, guardadas com carinho no quarto dos filhos. Desde que o pai, o representante comercial Everaldo Batista, o Xinéca, 57 anos, morreu em um acidente na BR-470, as bikes e as premiações das provas de triatlo disputadas em todo o Estado viraram pedacinhos de lembrança conservados pela casa. 

A esposa Fernanda Stofella Batista, os dois filhos mais velhos, de 13 e 10 anos, e o mais novo, um bebê de quase 1 ano, ainda lutam para superar a ausência do pai, apaixonado por esportes e conhecido em todo o Estado pelas competições – ele presidia uma associação de atletas da modalidade em Brusque.

O acidente que tirou a vida de Xinéca ocorreu na manhã de 3 de abril, no Km 78 da BR-470, em Indaial. A família ainda não conhece ao certo as circunstâncias, mas a principal suspeita é de que o carro que ele dirigia, uma caminhonete Santa Fe, tenha se chocado com uma árvore após tentar desviar de uma colisão com um caminhão.

 

 Brusque - SC - Brasil - 17052018 - Casa do representante comercial e triatleta Everaldo Batista, o Xineca, 47 anos, morreu em acidente de trânsito no km 78 da BR-470, em Indaial

Objetos de triatlo são lembranças de Everaldo Batista, morador de Brusque que morreu em abril.

(Foto: Patrick Rodrigues / Jornal de Santa Catarina)

 

Everaldo foi a 37a vítima fatal deste ano na BR-470, em abril, no trecho entre Navegantes e Pouso Redondo, onde desde 2000 o Santa contabiliza os acidentes com óbito. Nesta semana, este trecho da rodovia registrou a 60a morte no ano. O último acidente fatal foi na madrugada de ontem, no Km 63, em Indaial. Um homem de 28 anos morreu após a caminhonete S-10 que ele dirigia bater em uma árvore e pegar fogo. Ele ficou preso às ferragens e teve o corpo carbonizado.

As 60 mortes registradas este ano representam uma alta de 33% em comparação com o mesmo período do ano passado. Até o final de julho de 2017 houve 45 mortes. Foram os sete primeiros meses do ano mais sangrentos na rodovia desde 2014, quando 74 pessoas perderam a vida na BR-470 no Vale. O número registrado até esta segunda-feira equivale a uma morte a cada três dias e meio. 

Desde 2000, o trecho entre Navegantes e Pouso Redondo já registrou 1.909 vítimas nesses 17 anos e meio. Os números do Santa contam também pessoas que morrem em hospitais após os acidentes, enquanto o levantamento da PRF contabiliza as vítimas que perdem a vida já no local da ocorrência.

 

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Everaldo estava a caminho de uma visita de trabalho quando sofreu o acidente fatal. Os planos de viagem com a família no meio do ano e os esperados churrascos de fim de semana foram abreviados, como tantos outros objetivos das 60 vidas perdidas na rodovia este ano. Nesses quase quatro meses, a vida da família de Xinéca tem se resumido a um dia de cada vez.

– A gente fica sem chão, a vida virou de cabeça para baixo. As crianças estão reagindo bem, amadureceram bastante. Mas é complicado. A cada dia o bebê faz uma coisinha nova. Começa a sentar, bater palminha, e os meninos sempre dizem: "E o pai não está aqui para ver isso, né mãe?".

Quando ouve o relato de um novo acidente na BR-470, a sensação de Fernanda é sempre negativa.

– Passa um filme na cabeça. Penso que mais uma família vai passar pelo que passei, e que não queria que ninguém passasse porque foi bem difícil – conta Fernanda, que diz ter cada vez menos esperança de que a BR-470 se torne uma rodovia mais segura.

 

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Dramas vividos também no Alto Vale do Itajaí

Luís João Stolf foi a segunda vítima fatal deste ano, ainda em 12 de janeiro. Morava em Rio do Sul e usava a BR-470 pelo menos uma vez por mês para ir visitar amigos na região de Otacílio Costa e Lages. No dia 12 de janeiro, uma sexta-feira, partiu com um colega para mais um desses passeios, mas teve o trajeto interrompido. 

Chovia muito. Na altura do Km 169, em Pouso Redondo, a pista estava no sistema "Pare/siga" por causa da queda de uma árvore. Um caminhão que seguia no sentido oposto não conseguiu frear a tempo, acabou perdendo o controle e invadindo a pista contrária. Os dois veículos se chocaram de frente e o impacto fez o carro em que Luís e o amigo seguiam rolar por um barranco ao lado da rodovia. Luís morreu na hora.

O caso de Luís é mais um exemplo em que esses acidentes deixam um espaço só preenchido pela saudade. A filha Ceres Stolf era uma das companhias mais próximas. Morava em frente à casa do pai e sempre tinha sua companhia na loja que ela administra.

 

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– Ele vivia aqui na loja, sempre me ajudava, estava comigo. Está sendo bem difícil, ele faz muita falta.

A ausência que Ceres sente há quatro meses é semelhante à que Rodolfo passou a vivenciar desde março. A companheira dele, Daiane dos Santos, 30 anos, foi a 34a pessoa a morrer em um acidente no trecho do Vale do Itajaí da BR-470, em março deste ano. Conheceram-se em uma festa de rei e rainha em um clube de caça e tiro e estavam juntos há 12 anos. 

Desde janeiro, ela trabalhava no controle de qualidade de uma empresa têxtil. Em uma ida a uma confecção, o automóvel Gol que ela dirigia foi atingido por um caminhão em uma serra de Ibirama. Daiane também morreu na hora.

A casa em que ela morava com o companheiro permanece fechada. Na casa ao lado, a mãe Avanir dos Santos conserva cuida da cachorrinha e dos passarinhos a quem Daiane dava carinho todos os dias. Ainda hoje ela torce para que os motoristas façam a rodovia mais segura para que dramas como o dela não se repitam:

– Naquele dia, estava trabalhando, costuras estopas e arrumei tudo para encerrar. Quando fui começar a fazer o almoço, tocou o telefone e infelizmente veio a notícia de que a Daiane tinha batido o carro e morrido. Desde ali não sei mais porque tudo parou. Não consegui fazer mais nada, nem trabalhar. Ela estava tão feliz no novo emprego. Será que era para ser o fim dela, assim? Não sei.

 

Por Jean Laurindo

Jornal de Santa Catarina

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