Polícia

Santa Catarina no alvo de investigações da Polícia Federal

Duas operações em menos de 20 dias lançam suspeitas sobre atos ocorridos em diferentes esferas de poder e impactam o Estado

Santa Catarina no alvo de investigações da Polícia Federal Gabriel Lain/Diário Catarinense

Duas operações distintas da Polícia Federal (PF) em um intervalo de 20 dias estremeceram a política de Santa Catarina em junho. As investigações apuram fatos ligados a diferentes esferas do poder estadual: governo do Estado, Assembleia Legislativa (Alesc) e, há duas semanas, a prefeitura da Capital.

A primeira a ir às ruas foi a Operação Alcatraz, que apura suspeitas de fraudes em licitações e repasses de valores indevidos em duas pastas do governo do Estado. Um ex-secretário-adjunto e um ex-chefe de empresa pública foram presos preventivamente. A suspeita teria ainda ligação com o Legislativo, pela relação entre um dos suspeitos e o presidente da Alesc, Julio Garcia (PSD).

Já a Operação Chabu, que completa duas semanas na terça-feira (2), investiga suposto vazamento de informações sigilosas da própria PF e estendeu efeitos à política ao cumprir mandado de prisão temporária contra o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, (sem partido), liberado no mesmo dia.

As investigações que voltaram a unir o noticiário policial e político no Estado ainda se referem a fatos sendo apurados. São baseados em denúncias que, após uma averiguação inicial, resultam em mandados de prisão temporária ou preventiva até que se defina a existência ou não de um processo.

Ainda assim, mesmo sem ninguém condenado até o momento, os fatos suscitam dúvidas sobre o que fez a política de Santa Catarina ocupar esse espaço negativo como alvo de operações e quais são os reflexos disso para os partidos e a atividade política.

Lideranças das maiores siglas do Estado evitam críticas ou julgamentos sobre as operações recentes – em especial no caso da Chabu, sobre a qual a investigação por enquanto divulgou um volume menor de informações e dos motivos das prisões em comparação à Alcatraz. No entanto, manifestam preocupação de que as suspeitas em curso sobre pessoas investigadas não recaiam de forma generalizada sobre toda a atividade política.

Interferência nacional

O professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Julian Borba, afirma que não é possível separar o contexto estadual do nacional. Por isso, as operações recentes no Estado contribuem para um acúmulo de denúncias de corrupção dos últimos anos no cenário nacional.

Na avaliação do professor, isso até pode vir a representar um controle mais forte sobre os governos, mas hoje provoca, sobretudo, uma sensação de descrença nas instituições, como os partidos e o parlamento.

— Isso tem reflexo no aprofundamento do distanciamento do eleitor em relação à política e, possivelmente, como no ano passado, em uma escolha eleitoral que busca renovação, candidatos de fora do ambiente político, que estejam longe dos partidos. Resta avaliar, e ainda é cedo, qual o impacto desses processos de renovação e de busca por candidatos de fora da política tradicional sobre a própria gestão do Estado. Em que medida esses processos de renovação vão produzir melhores resultados — salienta.

Lideranças partidárias evitam fazer relações entre as duas investigações recentes e também ligá-las a conjunturas e partidos que integravam o governo. Para o professor de Ciências Políticas Valmir dos Passos o que se sabe até agora não permite concluir que haveria uma atividade ilícita em grande escala, como a investigada na Lava-Jato, por exemplo.

— As pessoas apontadas não eram de grande alcance político-administrativo, e isso se localizou em dois órgãos — sustenta, em referência à Alcatraz.

Líderes de partidos pedem cautela e apuração rigorosa

Líderes das siglas também se manifestam no sentido de apurar os fatos com cautela. O deputado estadual Marcos Vieira, presidente do PSDB em Santa Catarina, reconhece que ter pessoas no alvo de operações é ruim para a política do Estado. Porém, defende que o índice de corrupção em SC é menor do que em outras regiões do país e que, por ser politizado, o eleitor catarinense vigia mais.

— Em todo segmento há os bons e as maus. Se alguém praticou algo errado, que pague, mas o Estado tem que seguir — frisa.

O mesmo tom é adotado pelo vice-presidente do PSD em Santa Catarina, o prefeito de Lages Antônio Ceron:

— São notícias negativas, evidentemente preocupa, mas temos que ter cautela. Vamos passar por esse momento, o Brasil, a democracia, e vamos sair disso depurados — prevê.

O senador Esperidião Amin (PP) relaciona as duas investigações com um contexto que envolve tecnologia e disputa por dados de cibernética. No entanto, faz diferenciações entre a Chabu, que para ele teria um grau mais sofisticado, mas sobre a qual ainda se sabe menos, e a Alcatraz, que, conforme o senador, já trouxe mais evidências. Ambas, segundo ele, "aumentam a perplexidade" e trariam um apelo.

— Nossa expectativa é que tanto o caso da Alcatraz quanto o da Chabu tenham uma resolução mais rápida. Que a apuração, a liberação dos inocentes e o processo dos indiciados sejam breves — defende.

As operações

Alcatraz

Deflagrada em 30 de maio, apura suspeitas de fraudes em licitações e repasses de valores indevidos na Secretaria de Administração e na Epagri. Segundo a investigação da PF, contratos com sobrepreço feitos entre 2009 e 2018 teriam provocado um prejuízo de R$ 28 milhões ao Estado. Um ex-secretário-adjunto e um ex-chefe de empresa pública permanecem detidos, junto com outras cinco pessoas. Uma das suspeitas está em prisão domiciliar.

Chabu

Deflagrada há duas semanas, investiga vazamento de informações de pelo menos sete operações da PF. Um empresário considerado o epicentro do esquema, um delegado da PF e outras cinco pessoas foram alvo de prisões temporárias, incluindo o prefeito Gean Loureiro, liberado no mesmo dia. O empresário, último suspeito que seguia detido, foi liberado no domingo, 23 de junho.

O que dizem o presidente da Alesc e o prefeito de Florianópolis

Julio Garcia: a reportagem procurou novamente a assessoria do presidente da Alesc, mas foi informada que ele não iria comentar novamente a Alcatraz. Cinco dias após a operação, Garcia concedeu entrevista confirmando ter relação de amizade com o empresário preso preventivamente, mas negando todos os fatos relacionados a ele pela investigação.

Gean Loureiro: o prefeito de Florianópolis ficou afastado do cargo por seis dias. Em entrevista coletiva no dia 24 de junho, Gean Loureiro comentou a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que determinou o retorno à função. Ele voltou a negar qualquer relação com as pessoas e fatos investigados no âmbito da operação. Gean ainda alega desconhecer a existência de uma "sala segura" na prefeitura da Capital, algo investigado na Operação Chabu.

Efeitos da Lava-Jato ainda favorecem novas operações

Os efeitos causados pela Lava-Jato também são citados como um fator que cria ambiente mais favorável ao surgimento de operações distintas que acompanhem as práticas dos governos. O presidente do PSL em SC, Lucas Esmeraldino, acredita que a investigação nacional conduzida em Curitiba favoreceu o clima para outras desse tipo.

— Pessoas boas e ruins existem em todos os lugares. Não se pode deixar a política ser manchada por isso — pondera.

O professor de Ciências Políticas Valmir dos Passos afirma que as operações policiais pelo país teriam criado também uma tentativa de mostrar trabalho à sociedade por parte de setores ligados à investigação. Isso ocorreria em busca de uma notoriedade alcançada pela Lava-Jato.

— Claro que a corrupção é um problema que afeta diferentes níveis da administração pública, mas também há uma busca permanente dos setores de investigação por esses holofotes — argumenta o professor.

Passos afirma que de alguma forma as operações recentes reforçam uma imagem negativa da atividade política, sobretudo dos grandes partidos. No entanto, faz ressalvas como o fato de a Operação Chabu ter como alvo principal um delegado da própria PF e que a dimensão política só existiu por causa do mandado de prisão do prefeito da Capital – alguém sobre quem o envolvimento nos fatos não teria ficado claro, segundo o cientista.

O consultor de sociologia política Sergio Saturnino Januário frisa que historicamente SC teve efeitos mais leves do que os estados vizinhos em operações sobre corrupção. Ele ainda detalha que as ações recentes são reflexo do que ele define como "espécie de purificação jurídica da política", algo que deveria ocorrer de forma mais constante.

— Se não houver operação durante 12 meses, por exemplo, já vamos nos perguntar: o que está acontecendo? Já vai ter a teoria do golpe — aponta.

Para Saturnino, no entanto, grande parte da responsabilidade por esse momento é da própria estrutura política. Um dos problemas na visão dele estaria no fato de o sistema fazer o eleitor delegar o poder ao governante e permitir que, depois, o esqueça.

Por NSC Total

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